No Guaibim, a festa de Iemanjá ainda é um ritual de fé que se repete a cada início de ano, precisamente no dia 2 de fevereiro. Nas comemorações desse dia, percebemos a presença do Samba de Roda e do Candomblé. Segundo as religiões afro-brasileiras, o sábado é o dia da semana dedicado a Iemanjá, muitos a consideram soberana das águas. Nessa época, aumenta os trabalhos das Mães de Santo que fazem muitas consultas para moradores locais, inclusive recebendo visitas de turistas interessados em conhecer e entender um pouco a respeito de Iemanjá e de tudo que acontece durante o cortejo.
Ao amanhecer de 2 de fevereiro, os moradores da praia de Guaibim enfeitam barcos e canoas, entre estes um barco maior que leva um enorme cesto com flores, perfumes, brinquedos, produtos de beleza, entre outros, em busca de um ponto estratégico no mar para depositar as oferendas a Iemanjá, uma mulher vaidosa que gosta de estar sempre bela, cheirosa e formosa.
Na Figura 23, percebe-se que, além da menina simbolizando Iemanjá, vão algumas mães e pais de santo no centro do cortejo segurando o grande balaio de presentes, entre elas muitas marisqueiras e catadeiras, tanto do Guaibim quanto de Cajaíba. Do lado esquerdo da fotografia, à frente do cortejo, vestida de branco, logo atrás da faixa, está a Mãe de Santo Bárbara segurando o balaio de presentes. Esse cortejo é acompanhado por filhos e filhas de santo, bem como por moradores de Valença e alguns turistas.
Em entrevista, Maria Balbina dos Santos 221, conhecida por Mãe Bárbara do Terreiro Angola de nome Conzol Inkice Caxuté Tempo Marvila, localizado no povoado de Cajaíba, informou que não é simplesmente pegar um balaio, enfeitar e encher de presentes para oferecer a Iemanjá. Existe todo um ritual que antecede a entrega dos presentes, que consiste em uma série de passos que devem ser realizados por pessoas que conhecem os princípios do Candomblé.
A Mãe Bárbara informou que o primeiro passo no preparo das oferendas para Iemanjá começa com a arrumação do balaio. Nesse momento, as pessoas responsáveis têm de ficar com o “corpo limpo” e, para isso, tanto homens quanto mulheres devem estar em abstinência sexual, que pode variar entre 7, 14 ou 21 dias, conforme a necessidade. Junto com essa abstinência, tomam banho com ervas frescas, e, entre as ervas, estão o abô e o amaci, utilizadas para banhos rituais. As ações obedecem alguns rituais direcionados a Iemanjá. Mãe Bárbara enfatiza que a abstinência e o banho com ervas frescas se estendem a todo trabalho feito no Terreiro.
O segundo passo consiste em incensar os presentes ofertados para purificá-los, pedindo sempre a Iemanjá que os receba e proteja todas as pessoas com felicidade, sorte no amor, dinheiro, paz na família e saúde. O terceiro passo é rezar os Angorossis, que são as rezas sagradas para os Orixás. O quarto passo é cantar as azuelas, os cantos sagrados. O quinto passo é bater o paó, que consiste em bater palmas três vezes, pausadamente, com as mãos entrecruzadas, completando nove batidas lentas e três batidas ligeiras, saudando os Orixás.
Finalmente, chega o momento de sair o cortejo levando o cesto com as oferendas, tendo à frente aquela que representa Iemanjá, uma menina de cabelos longos, soltos, vestida de branco, pés descalços, com uma coroa na cabeça, que acompanha todo o cortejo do Candomblé pelas ruas da praia de Guaibim até o barco. Lá, cede o lugar para uma mulher adulta também vestida de branco, que, entrando no barco, completa o itinerário, levando o cesto juntamente com alguns pescadores até o local da entrega. Esse barco,
preferencialmente, deverá pertencer a uma pessoa que tenha alguma ligação com o Candomblé.
Ao ser questionada a respeito de alguns presentes que se transformam em verdadeiros entulhos no fundo do mar, levando inclusive muitos anos para serem decompostos pela natureza, a Mãe de Santo responde que já existem movimentos no sentido de conscientizar as pessoas a não ofertarem presentes que venham a agredir o meio ambiente, entre estes, aqueles fabricados com plásticos, isopor e vidros. No final da entrevista, a Mãe de Santo acrescentou que, durante o período menstrual, a mulher é considerada impura, não podendo participar dos festejos a Iemanjá nem tampouco fazer nenhum tipo de trabalho no Terreiro.
221 Maria Balbina dos Santos, Mãe de Santo, residente no povoado de Cajaíba. Durante a entrevista, ela declarou ter recebido o Deká (autorização de direitos de conduzir a sua própria casa de Candomblé, como Sacerdotisa Afro, mameet´u dyá Nkisi da nação angola - banto ) no ano de 2009. Entrevista em 7 de dezembro de 2010. Duração: 65 minutos.
Fonte: Trecho da entrevista retirada da dissertaçãom de mestrado "Cotidiano e trabalho das marisqueiras e catadeiras de Valença - BA (1960-2000). / Maria de Fátima Fernandes Brasão. Valença - Bahia [s.n.], 2011.". Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em História Regional e Local da Universidade do Estado da Bahia-UNEB, Campus V – Santo Antônio de Jesus-BA, como um dos requisitos para a obtenção do título de Mestre.
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