Por Elias Porto Luz*
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Mãe Mira de Oxúm |
Foi grande a minha tristeza quando soube aqui em São Paulo do falecimento de
Dona Mira D’Oxum, a nossa, Mametu Kassange. O seu passamento ocorreu se não me engano
final do ano passado e só vindo ao meu conhecimento há poucos dias atrás, e
como filho de Valença, conhecedor da trajetória desta grande Dama do candomblé
de Valença e do Baixo Sul Baiano, não poderia deixar de homenagear, mesmo que, postumamente,
esta Mulher, esta Dama, este ser humano incrível, que foi Dona Mira de Oxum, com
quem convivi na minha infância, adolescência e mocidade.
Mesmo residindo em São Paulo há muitos anos, nunca
deixei de visitá-la, me fazia bem ser por ela abençoado, conversar assuntos
referentes à cultura afro-brasileira, especialmente o Candomblé de Nação
Angola, o qual, ela entendia, como poucos... Fazia-me muito bem, nas minhas
visitas periódicas à Valença, minha terra querida, visitar Mira e com ela bater
um bom papo, nem que fosse rapidinho, mas, era muito bom.
Numa dessas minhas visitas à ela, ela já
doente, tinha sido acometida de um Derrame, mas, totalmente ativa, lúcida e
alegre, me mostrou com orgulho o Diploma que recebeu da Câmara Municipal de
Vereadores de Valença, o Título de Yalodê, ou seja, grande Mãe, Mãe respeitada,
Mãe Rainha, Mãe Velha...Tomei nas mãos o diploma e também me emocionei, pois
realmente era isso que era Mira, uma Rainha, uma grande Mulher, uma referência
de muito respeito e por muitos aplaudida e procurada, e, tendo sua casa de
candomblé como ponto de referência e sempre lotada por todas as camadas da
população Valenciana, nos anos,60,70 e 80 ... O “ Conzól Nkisse Kassendá
D’NZambi”, como era chamada espiritualmente a casa de Mãe Mira, era uma casa de
encantos,de axé,de magia e de funções espirituais frequentes.
Quem não se lembra de Dona Bela de ogum, Mamêtu
Kassendá, grande Dama, grande Mãe de Santo, que muitas vezes vi atuando e
regendo com firmeza e dedicação o axé da casa, e Mira, sua filha carnal na
atuação direta junto a sua mãe. Pouco tempo depois que saí de Valença prá morar
em S. Paulo, soube da passagem de Mãe Bela, para as moradas eternas, o que foi
uma grande perda... E, à medida que retornava a Valença, percebia uma leve
decadência naquela casa, e aos poucos, depois de ser acometida pela doença, Mãe
Mira, antes procurada, aclamada, paparicada, começa a sair do cenário, da vida
da sociedade valenciana, e ultimamente, entristecia-me, ver aquele Barracão, aquela
propriedade, em ruínas...
Aquela que outrora fora um ponto de
espiritualidade agora se encontrar em estado de total abandono e decadência. Não
deveria ser assim, mas, são qualidades ruins de nós seres humanos, estarmos
sempre perto de quem está no auge, quando os amigos têm o que oferecer, nas
festas e banquetes, mas, quando isso tudo cessa, lhes viramos as costas... Mas,
é assim mesmo, é a vida!
Tive o privilégio de residi na minha
infância, na Rua das Flores, bem próximo ao Barracão de Mãe Mira, que, aliás, não
era apenas o Barracão, era quase uma vila de casas, residência dos familiares e
de pessoas ligadas ao Axé, e o espaço enorme dos locais sagrados, muito
movimentado, casa lotada, festas lindíssimas... E nas segundas-feiras havia uma
homenagem ao Velho Obaluayê, muitas vezes e quase sempre, faltava as aulas, no
antigo ginásio, e fugia prá casa de Mira, comer pipocas e saborear um gostoso
mingau servido pelas filhas de santo. Êita! tempo bom, que recordo com
saudades...
Dona Mira atuante na sociedade, amiga e
respeitada por políticos e religiosos, simpatizantes ou não da cultura
afro-brasileira e nas festas da cidade, sempre tinha uma participação de Dona
Mira com um bloco, um Maculelê, ou algum folguedo por ela apoiado e dirigido...
Era assim a Valença dos meus tempos... Bons tempos aqueles em que o Candomblé
tinha muito prestígio por aí, e grandes nomes que me lembro muito bem, eram
ovacionados, não somente Mãe Mira e Mãe Bela, mas, outros nomes como, Srº. Almiro,
Dona Laura, Dona Olga, Dona Eulália, Dona Lourdes, Srº. Vadinho e não poderia
deixar de citar aqui o Srº. Augusto Caldas, meu primeiro pai de santo, com quem
aprendi os primeiros rudimentos do candomblé de caboclos... Lembro-me com saudades,
e quem não se lembra das tardes de domingo no alto do Bate-Quente, eram
domingos felizes, o Barracão do meu finado pai Augusto lotado de pessoas de
todas as idades e crenças, se acotovelando dentro e fora, nas portas e janelas,
tamanha era a multidão prá acompanhar e participar com alegria e fervor os
cânticos, os toques dos atabaques, as incorporações dos Caboclos e Guias, e eu
lá no meio já, ainda adolescente...
Quem não se lembra da Liderança do Srº.
Narbal Caldas, muito sério, muito fervoroso e humilde a auxiliar seu pai
carnal, e sua esposa e nossa grande amiga Nita do Bál, quem não se lembra, nos
deixava a todos fascinados com seus guias, e sua bela cabeleira loira e
ondulada a dançar e incorporar suas belas entidades... Ah! Essa turma toda nos
deixou saudades e acredito que o cenário candomblecístico de Valença nunca mais
foi o mesmo... Mas, é assim mesmo, o tempo passa, a fila anda, e as mudanças
também são positivas e a religião é dinâmica...
Tenho sabido e acompanhado daqui que grandes
nomes já vêm despontando ai na pessoa de Mãe Bárbara e de seu filho Heráclito Barbosa,
que conheço apenas pelo facebook, membros do Terreiro Caxuté, que fica
localizado em Cajaíba, onde nasci, e onde se origina todos os meus familiares e
parentes daí, fiquei feliz quando soube, e ainda quero conhecer esta casa de axé!
Que não é do meu tempo, mas, que se sabe do belo trabalho que esta casa de axé
vem realizando em Valença e região! Afirmo aos leitores que o que relatei era
realmente a Valença que vivi, uma Valença festeira, religiosa.
Era comum os blocos de carnavais, os afoxés de rua, o Zambiapunga, os ternos de reis, as novenas e trezenas cantadas, em
louvor a Santo Antonio, com muitos cânticos e comes e bebes... E os Carurus? Prá
esses temos que tirar o chapéu! Os carurus eram festivos e concorridos, quem
viveu esse tempo pode confirmar.
As festas católicas, Nossa Senhora do Amparo,
e Sagrado Coração de Jesus, a Igreja da época era atuante, os Terreiros de Candomblé
ativos, e eu, na minha adolescência e mocidade, transitava sem problemas por
todas as culturas, era comum eu sai do barracão do meu pai Augusto e ir direto
prá missa na Matriz, participar, ajudar, tocar, e cantar no coral da JEC, quem
não se lembra? Juventude Estudantil Católica... Sofri algum tipo de
discriminação por isso? Sofri, mas, tirava de letra, e quem naquela época era
somente fiel católico? Poucos! Era comum ver grande parte da população nas Missas e a mesma população
nos Terreiros.
Valença era uma cidade Cultural, Eclética, sem
barreiras religiosas. Muitas vezes em apresentações públicas e festivais de
corais, era comum se apresentar nosso coral da JEC sob a regência da professora
Zezé Wense e o coral da primeira Igreja Batista na direção da professora Romilce.
Ser protestante ou ser crente na época, era
ser Batista, os Batistas em Valença são centenários, têm raízes, se existiam
outras igrejas evangélicas, eram pequenas, sem expressão, mas, os Batistas com
seu templo ainda pequeno, bem em frente à praça principal, convocava pelos alto
falantes seus fiéis para o culto...
Era tudo assim... Mas, o que sabemos, é que
as coisas mudaram, os tempos são outros, e novos grupos, e crenças, e igrejas
novas foram chegando e se apossando da terra, e semeando a discórdia, as
discriminações e preconceitos. Entretanto, saibam os novos religiosos que
Valença tem dono e séculos antes de novas crenças chegarem por aí, esta terra
cultuava seus santos católicos, seus ancestrais, seus Orixás, seus Caboclos e Guias,
e quando se chega depois, se respeita os mais velhos e quem chegou primeiro, este
chão é sagrado,e como diz a música, “Tem Que Pisar Nesse Chão Devagarinho!” Não
há mais lugar em nossos novos tempos para o preconceito, as discriminações e
desrespeitos a nenhuma religião ou crença, ninguém é obrigado a acreditar nem
gostar da crença do próximo, mas, respeitar sim...
Este são os tempos em que vivemos, como disse
a Makota Valdina Pinto, em toda a impressa e nas redes sociais, há algum tempo
atrás, e isso repercutiu no mundo, a célebre frase: “Não quero que me tolerem, mas,
que me respeitem”. É isso mesmo, numa sociedade democrática, todos tem
expressão, há lugar para todas as religiões, e cada praticante e Líder ou
Sacerdote, deve primar pela paz, pelo diálogo e pela convivência, e o respeito
é primordial, mesmo quem religião nenhuma pratique, ou seja, ateu, deve ser
respeitado.
Este tempo de preconceito, de caça às bruxas,
de perseguições, já passou, já ficou lá prá traz, pelo menos uns 500 anos! Mas,
quem por qualquer motivo se sentir perseguido, discriminado, desrespeitado por
professar uma cultura diferente da maioria, que nunca se cale, procure
imediatamente a Promotoria Pública do Município e denuncie! Há leis severas
para este tipo de Crime.
Que o povo de Valença, meus Conterrâneos, façam
valer o trecho do hino da cidade, que cantei muito por aí, nos tempos de escola
e do Coral da JEC: “Valença nunca vencida, Valença terra de Paz”! Grande abraço
a todos! Muita paz e bem, muito Axé!
Sobre
o autor:

ELIAS PORTO LUZ*, é filho de Valença, nascido
em Maricoabo, reside em São Paulo há muitos anos, é Graduado em Letras, Teologia
e Filosofia, é pesquisador da Cultura afrobrasileira, e escreve para vários
meios de comunicações, matérias referentes as religiões de Matriz Africana. É
Babalorixá de Candomblé de Kêto, filho espiritual da conceituada Yalorixá, Mãe
Giséle M.L. Cossárd, a Francesa, conhecida no meio religioso como, Yá
Omindarewá. Ele é membro ativo da casa de Omindarewá o “Ilê Axé Yá Atará Magbá”,
no Rio de Janeiro, e conhecido pelo seu nome espiritual como Elias D’Oxalá, ou
pelo seu orunkó, nome espiritual, “ Babá AlayêMorê”.
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